JATOBÁ – O sonho que carrega desde a infância de se tornar artista e ganhar o mundo com sua música atravessou os limites da aldeia pancararu, localizada no município de Jatobá (mesorregião do São Francisco), onde nasceu e foi criado Gean Ramos. Músico autodidata que já percorreu os quatro cantos do País levando suas composições com a versatilidade da MPB, ele não esconde suas afinidades com o baião, xote, samba, bossa nova, chorinho e até mesmo o tradicional toré dançado nos rituais de sua aldeia. Com 12 anos de estrada, um violão nas costas e diversas composições na bagagem, só agora realiza o sonho de lançar o primeiro DVD, com repertório repleto de gritos de liberdade e atenção em favor dos povos tradicionais, principalmente indígenas que, segundo ele, ainda “tombam nas barreiras” da discriminação.
Talvez o jovem artista seja o primeiro índio no interior do Nordeste a lançar um DVD independente, que batizou de Trajetória. A festa de lançamento foi na semana passada, em Paulo Afonso (BA). Agora, o artista quer percorrer outras cidades do Sertão ao Litoral de Pernambuco. “Quero começar pelas margens do Rio São Francisco e sair mapeando estradas até o cais. Minha música é viajante, com mensagens para todas as etnias em busca da união dos povos”, diz o artista.
Gean adianta que seu trabalho é fruto de várias situações sociológicas e culturais, a começar pela miscigenação da sua própria família. A mãe é índia. O pai, já falecido, era filho de um negro com uma branca. Na infância, a música dominava o ambiente familiar com os acordes do violão do pai e o canto do avô, que chegou a fazer parte do coral de Frei Damião. Aos 15 anos, o jovem cantor caiu na estrada em busca de concretizar seus sonhos. Rumou pra São Paulo, mas não teve a sorte que idealizou.
De lá foi para Brasília, onde tentou conseguir bolsa de estudos da Funai para entrar no conservatório. Recebeu um sonoro não e acabou atuando na noite como garçom. “Mas foi uma experiência, um encontro com a composição”, diz. O próximo rumo foi Florianópolis (SC), onde a única vaga disponível na noite era de ajudante em um restaurante. “Sempre levava o violão esperando que um dos músicos da casa faltasse, o que não demorou acontecer. Fiz uma espécie de tapa-buraco, mas como tinha vasto repertório surpreendi e comecei a aparecer lá e em outros eventos”, lembra Gean. Com a grana que juntou, lançou um EP com sete músicas “ainda bem experimentais”.
Meses depois seu perfil viajante mirou o Rio de Janeiro para uma curta temporada. De lá partiu João Pessoa (PB), onde a relação com outros músicos lhe rendeu mais oportunidades. Lá integrou uma equipe de músicos para tocar no navio espanhol Sky Wonder. Foi quando lançou um CD e fez show no Teatro Ariano Suassuna. Vendeu mais de mil cópias.
NATUREZA - Em 2008, Gean voltou a São Paulo para lançar seu disco. Ao chegar, foi convidado a se apresentar no maior evento da África no Brasil, o Explorer South África, divulgado em 120 rádios de todo o Brasil. Outro grande momento foi assinar uma parceria com a Universidade Federal de São Paulo para ceder duas composições para a trilha do documentário Do São Francisco ao Rio Pinheiros.
Seu olhar musical em favor dos movimentos de defesa do meio ambiente integrado lhe rendeu mais um convite para compor a trilha do Plano de Ação Sócio Ambiental (PAS), da Chesf. Seu trabalho também lhe garantiu destaque em festivais de Alagoas e Pernambuco, chegando a fazer parte do carnaval multicultural da Fundarpe.
O DVD trajetória tem 15 canções em vários estilos e letras que falam de política, de natureza e do seu povo. A maioria das músicas, segundo o compositor, diz muito dos sonhos dos povos tradicionais. “Retrata a vida moderna povo indígena e quilombola, que fala ao celular, dirige carro, faz faculdade e continua mantendo sua tradição respeitando os mais velhos e as crenças”, resume o cantor.
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Jornal do Commercio, em 29/12/2012 - Foto: Daniel Oliveira